Minha fala na Palestra “Mulheres e seus Corpos”

Por Mariana Beltrame
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No dia 02 de Agosto, ao lado de duas mulheres incríveis, Duda Salabert e Daniela Cunha Pereira, aprendi muito e pude falar um pouco do que aprendi nesses 10 anos fotografando mulheres, numa tentativa de inspirar novos caminhos de pensar sobre nós mesmas e nos tornarmos mais livres.

E atendendo aos pedidos que recebi no meu Instagram, publico aqui a transcrição da minha fala durante a palestra para quem não pôde ver pessoalmente.

Olá. Meu nome é Mariana Beltrame. Estou muito feliz de estar aqui ao lado dessas mulheres que me inpiram tanto. Gostaria de agradecer a Dani pelo convite e a todos vocês pela presença. 

Eu sou fotógrafa e trabalho fotografando mulheres há 10 anos. Nesses anos pude aprender muito sobre autoimagem, autoestima e autoconfiança na prática, e estou muito agradecida oportunidade de compartilhar um pouco do que aprendi. 

Me envolvi nesse mundo da fotografia feminina, através dos meus autorretratos. Tenho o costume desde muito nova de me fotografar. Isso surgiu pela necessidade de me ver e entender que mulher eu era. 

Eu tinha uma autoestima muito baixa e uma noção bem negativa da minha própria imagem,principalmente da minha aparência e do meu potencial intelectual.

Me autorretratar me ajudou a ver a potência que eu não enxergava em mim mesma. E por causa dos meus autorretratos, algumas mulheres me pediram pra fotografá-las

Ou seja, eu não inventei esse trabalho, as mulheres inventaram por mim. E o porque, acredito eu, é que todas nós temos essa ânsia latente de ser ver, de se enxergar por nós mesmas. 

Na maior parte do tempo, eu apenas empresto meu olhar para que essas mulheres se revelem a si mesmas. É como se eu funcionasse como uma ponte.

Então, tudo que vou falar aqui não é fruto exclusivamente da minha vivência, mas de um aprendizado na prática, de forma coletiva e orgânica com minhas clientes. 

O que pensamos da gente mesma vem carregado de uma série de construções.Familiares, de relacionamentos, da nossa cultura, da religião. 

A autoestima é apenas a pontinha do iceberg dessas construções. 
Uma autoestima baixa é um sintoma de que toda essa estrutura falhou com você. 

O que você pensa de você mesma, seja sobre sua aparência ou seu interior, é baseado em todas essas pecinhas. Ninguém nasce pensando menos de si mesmo.

Alguém ou algo coloca essa voz lá. E a gente toma essa voz como nossa, a gente aceita essa voz. A gente deixa entrar, a gente abraça, porque não sabemos como fazer diferente. 

Essas construções começam logo na infância, onde a gente não tem o discernimento necessário para diferenciar as vozes externas da nossa própria voz.

É por isso que estamos sempre incomodadas com a gente mesma. 

Essas vozes externas surgem de diversas formas. Através da violência, da representação midiática e cultural, das expectativas limitantes que colocam sobre a gente, do controle governamental sobre a mulher, das imagens da publicidade e muitas vezes da arte também. 

Por consequência, a gente sente o corpo da mulher como um corpo público, não pertencente a ela mesma. Nós sentimos que devemos servir a um propósito. Nós não nos pertencemos.

De todos os lados a gente ouve como deve ser, como se comportar, como fazer certo, como esculpir seu corpo e sua personalidade pra caber em um ideal de existência da feminilidade. 

E todas essas exigências são manifestações de violência. 

A violência se manifesta de várias formas. É mais fácil a gente perceber apenas a que é escancarada. A violência física. Mas acredito que é igualmente importante perceber as violências sutis.

O silenciamento, a retirada da autonomia, a retirada do poder de decisões, por menor que seja, a imposição de um estilo de ser e de viver, e por aí vai…

Nós mulheres estamos tão acostumadas com as violências sutis, que a gente nem percebe. A gente vive sempre assim, correndo de um lado pro outro tentando se encaixar. 

E essas violências se tornam parte da nossa identidade. Uma identidade formada por expectativas externas. 

Tenho clientes que passaram anos em relacionamentos abusivos sem ao menos perceber, por conta da sutileza dessas violências.

E quando, ou se um dia, você se dá conta dessas violências, você nem ao menos sabe quem de fato você é. Porque toda sua identidade foi construída pelos outrose o que você tem é uma identidade submissa e traumatizada. 

Uma identidade pronta pra aceitar o que os outros esperam a todo momento. 

Toda essa dor que absorvemos psicologicamente se manifesta na autoestima. Como eu disse, uma autoestima baixa é um sintoma dessas relações falhas. 

E eu acredito que um dos caminhos para se sair dessa ciclo de submissão, é reclamar nossa autonomia.

E aí, a gente se pergunta, como pegar de volta essa autonomia?

Obviamente, temos uma série de ações a serem feitas em âmbito político e social,mas vou me ater nas questões que podemos fazer agora por nós mesmas. 

A gente nem sabe por onde começar a pegar de voltar essa autonomia, porque agradar ao mundo é o que a gente conhece. 

E aprender a tirar todo esse peso externo e separar daquilo que somos é um trabalho contínuo e diário. É vigiar cada vírgula que sai da nossa boca e cada fio de pensamentos que temos.

Questionar de onde tudo veio. Questionar o tempo todo. Se perguntar a todo momento porque que não gosto disso em mim, porque eu quero mudar isso em mim. Será que consigo lembrar onde esse sentimento começou, se alguém disse isso pra mim? 

Sabe o que eles chamam de mulher chata e difícil de lidar? Então, vão te chamar disso.

É o preço a se pagar. Porque temos uma sociedade pronta a condenar uma mulher de opinião forte, uma mulher que não se dobra. 

Porque uma mulher que não se dobra, não é possível controlar. 

Retomar a autonomia é pegar na marra as rédea da sua vida, tomar o controle de como você se vê. Tentar ressignificar, do seu jeito, aquilo que você é.

Silenciar essa vozes lá fora, pra conseguir escutar a voz que vem de dentro. 

E é isso que aprendi a fazer no meu trabalho. Servir de ponte para que essas mulheres tenham espaço para ser, apenas ser. Sem julgamentos. Pra que as mulheres possam se reencontrar e voltar a se apreciar. 

Ter a possibilidade de olhar para uma imagem sua, ao invés de aceitar alguma imagem sendo vendida, uma imagem pronta, uma versão do que esperam de você, uma caixinha onde querem te encaixar, é um ponto de virada. Abre-se uma porta interna de autonomia para exercitar o poder interior, as vontades próprias.

Hoje eu entendo plenamente que a imagem, a representação imagética,tem uma carga muito grande na construção de nossa autoestima. 

O ser humano se representa desde as cavernas. Essa representação tem uma carga diferente da escrita, da música e das demais formas de expressão. Porque se ver representado te mostra que você existe.

É por isso que se fala tanto em representatividade na publicidade, nas novelas, nos filmes. Se ver representado te mostra que você é reconhecido pela sociedade e por seus pares. 

Todo artista, todos os pintores, fizeram ao menos um autorretrato. Toda a humanidade tem um desejo profundo de se ver. De perceber que sua humanidade é sabida pelo outro. 

E para as mulheres que são bombardeadas a todo momento com a ideia do que elas deveriam ser e não estão sendo, é ainda mais urgente se reconhecer, tomar para si a própria imagem.  

É por isso que a fotografia se apresenta como uma ferramenta poderosa para reaver o que pensamos da gente mesma, diminuindo esses ruídos de interferência externa. 

Não estou dizendo para fotografarem comigo, mas para se fotografarem, se perceberem. Passem pela experiência de se verem representadas.

Talvez vocês encontrem am algum outro tipo de expressão, como a escrita, a dança, a música, uma ferramenta para se conhecerem.

 Mas mergulhem em si mesmas, ao invés de continuar deixando que façam isso por você. 

E pra finalizar…

Vocês provavelmente já viram as esculturas das Vênus paleolíticas, né.
Existe um estudo agora de que essas imagens talvez tenham sido feitas pelas próprias mulheres, por causa do ângulo de visão que você tem quando olha pro próprio corpo. A perspectiva bate certinho com o que você vê quando olha de cima pra baixo. Elas não tinham espelho e por isso os rostos não estão presentes.

Essa nova teoria questiona a noção de que as imagens representavam a fertilidade, que é uma visão masculina do corpo feminino, o corpo que deve apenas gestar, e coloca na mão das mulheres a autonomia do se enxergar.

E é isso que quero deixar pra vocês.

Criem suas próprias Vênus.

Retomem o que tiraram de vocês.
Obrigada.”

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